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quinta-feira, 25 de junho de 2015

Uma guerra contra quem?

  Todos anos que presencio a tradicional guerra de espadas, leio nos sites da cidade e/ou ouço os comentários das pessoas sobre ela fico me questionando sobre os sentidos de se manter ou não esta tradição.
  Primeiro, me questiono sobre porque manter qualquer tradição que carregue em si o nome de “guerra”, por se tratar de ato de violência ou que a ela remete, em que há vencedores e vencidos. Segundo, porque as tais guerras de espadas estão proibidas inclusive em cidades cuja tradição é bem maior, como Cruz das Almas, pelo fato de causar muitos ferimentos, que não podem ser classificados como acidentes com fogos, é claro, já que há uma intencionalidade de guerra, um fogo cruzado, literalmente, pelo menos em cidades como lá. Aqui em Ichu também, a cada ano, ouvimos algum caso de que alguém foi queimado pelas espadas, inclusive já presenciei crianças que, assistindo à distância aquele fogo impressionante, foram atingidas e por pouco a tal guerra não cumpriu seu intento: vitimar pessoas inocentes.




   Terceiro, me pergunto sobre quem participa desta guerra em Ichu. De um lado os que tem dinheiro de sobra para queimar (cada espada custa uns míseros R$ 20,00) e de outro os jovens pobres, a maioria negros, da periferia (historicamente da rua Gerson e, nos últimos anos, do Bairro Cortiço) que se arriscam a entrar no fogo cruzado (de fato não há fogo cruzado se esses jovens não tem fogo algum em suas mãos para enfrentar a tal guerra) em busca das prendas da fogueira, que para eles tem muito valor: algo para consumir ou mesmo que tem valor simbólico (vangloriar-se do feito de ter tirado um “prêmio” na fogueira).
   Por último, me incomoda demais a possibilidade desta tradição está sendo bancada pelo poder público, o que certamente não aconteceu somente na atual gestão. Já ouvi comentários de que cada secretaria entra com um valor, uma espécie de vaquinha feita com notas frias, já não há possibilidade de se comprar um produto ilegal com dinheiro público. Ressalto que isso pode não está acontecendo mais, não ouvi nenhum comentário deste ano, mas de outros anos sim, inclusive de outras gestões, comentários feitos por secretários que não concordavam com a prática, mas fazia, já que todas as secretarias iriam colaborar com os fogos.
   Mais indignado fico, ainda, em vê que esses fogos, possivelmente adquiridos com o dinheiro público, são soltados por pessoas de condições, achegados da gestão municipal: correligionários ou militantes políticos, filhos, irmãos, sobrinhos de prefeitos/secretários e até mesmo secretários, pudemos ver nesses anos todos, repito, em todas as gestões que se passaram, nas últimas três décadas. 
   Mesmo que as espadas não sejam direcionadas à fogueira com a intenção de queimar as pessoas, que nela pretendem adquirir algo para consumir, elas soam como o poder público bancando um ato violento contra os jovens da periferia que se expõem a tal perigo, inclusive, esse ano, com rostos encapuzados (proteção) para ainda mais criar o clima de guerra nas fascinantes imagens que aparecem em fotografias e vídeos produzidos no evento e publicadas na internet.



  Enfim, penso que se alguém acha que vale a pena manter uma tradição já proibida em cidades mais badaladas, como Cruz das Almas, e o pior, bancada com dinheiro público, deveríamos, minimamente, defender que esses fogos fossem entregues para esses jovens da periferia que se arriscam a mergulhar no fogo cruzado em busca dos “prêmios” da fogueira, para que essa guerra fosse justa e garantisse à parcela desfavorecida, envolvida no evento, igualdade de condições, de poder e diversão, para participar, havendo assim a real possibilidade de haver “fogo cruzado”. E o dinheiro público pelo menos seria gasto (isso não pode ser chamado de investimento na cultura) com os jovens que mais precisam de oportunidades na cidade.

Por Edivan Carneiro de Almeida

Imagens: AL Notícias

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